domingo, 6 de julho de 2008

Medo ou mundo?

Era de vidro. Mas não era desses brutos que se vê por aí, era vidro do bom, vidro fino, que você tem que tomar cuidado ao pegar. Não é vidro que se tem na casa de qualquer um não... Só pessoas com a mão leve, que sabem tocar suavemente nas coisas que podem ter. Era belo.
Sim, era belo! Muito belo. E ele o queria para si. De início, pensou que não poderia ter algo assim tão belo para si, mas não demorou muito, notou que estava ao seu alcance, bastava um pequeno esforço. Ele só não sabia que era necessário ter leveza nas mãos para tocar. Pensou que poderia também tocar ou até mesmo tê-lo para si. Os primeiros toques foram suaves, com a leveza e receio de quem se arrisca a algo novo e teme as conseqüências. Mas logo foi acostumando-se com aquele tipo de beleza, de sensibilidade. Era prazeroso o toque, ou até mesmo apenas apreciá-lo.
É fácil acostumar-se com coisas boas.
Esqueceu-se de que ao se acostumar, não poderia deixar de ter a leveza e suavidade ao tocar. E então passou a apenas apreciar, não se preocupava mais com o cuidado que deveria ter...na verdade, nunca se preocupara.
Foi pelo descuido, pelo anseio de ter para si que se quebrou! E claro, como é vidro fino, não quebrou em pedaços grandes, mas estilhaçou em pedacinhos, que não poderiam ser mais unidos. Percebeu que era o fim.
Passou a sentir medo de tocar nas coisas. Achava que seu toque poderia destruir coisas belas, coisas das quais gostava e sentia prazer em tê-las. Triste seria se fosse com objetos, mas passou a sentir esse medo com pessoas. Medo de tocá-las, de sentir. Temia que ao tocar, ao se aproximar e se entregar, faria algum estrago grande que não pudesse ser revertido. Foi acusado muitas vezes por seu medo, o chamaram de inseguro, de fraco, diziam que ele estava fugindo.
Sabe que é natural sentir medo, e que todos têm seus medos, suas inseguranças com relação às coisas da vida. Por mais escondidos e silenciosos que sejam.
Medo! Mas... De que? Do escuro? Da violência? De perder o emprego? De baratas? De não ter um grande amor? Ou de se entregar a uma paixão? Medo de dirigir? Medo de se arriscar? Medo de adoecer? Medo de altura? Medo de morrer? Medo de viver?
Percebeu que a diferença entre as pessoas se dá na forma como lidam com seus medos e inseguranças. Tinha medo sim, mas o enfrentava. Recuperou a leveza que havia tido anteriormente e se entregou à vida.
Outro dia ouviu de uma colega que “sem o medo, há o mundo”, e entre o medo e o mundo...escolheu o mundo!

5 inquietações:

Kim Kadota disse...

Nossa...muito legal.
O medo nos impede de fazer muitas coisas na vida, mas ele faz parte. O importante mesmo é saber enfrentá-lo de vez em quando...
entre o medo e o mundo? rsrsrs...posso ficar em cima do muro? hahaha

bjos...saudades!!!

Dia 10 disse...

Lembrei da Insustentável Leveza do Ser. Essa coisa de perder a sutileza com o tempo, o cuidado... Engraçado como se perde o medo e cuidado de maneira semelhante, como se fosse o mesmo tempo. Perde-se o sentido como se perde a delicadeza, o trato, o toque que sustenta qualquer relação, o tato.

Marci De Fato! disse...

“Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer – e respondo a toda essa infâmia com – exatamente isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria.”

Agua viva - clarice Lispector
alegria sem medo, com medo, com mundo..by Marci

Jéssica Mendes disse...

Parabéns pelo texto! Belíssimo! Amo o jeito que você escreve. Lembrei de um poema de Drummond ao ler esse texto, na verdade lembrei de dois: "O medo" e "Congresso Internacional do Medo" e também lembrei de Clarice Lispector e seu jeito gostoso de escrever...

Ah, você tem um selo no meu blog! Olha lá!

Abraço.

Danielle disse...

sua habilidade de escrever é muito boa! :)

dá uma passadinha no meu blog: www.palavrasdescabidas.blogspot.com