domingo, 21 de fevereiro de 2010

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“Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.”

Lóri, em: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres – Clarice Lispector

3 inquietações:

ju. disse...

Eu já tive um elefante que morava numa caixa de fósforos.

Minha mãe recordou ontem mais um detalhe a respeito do meu elefante: ele era cor-de-rosa.
E o meu maior medo era o de que alguém se sentasse em cima do seu rabo.

Carlota disse...

Pois é.... Ai esse cavalo selvagem, muito mais selvagem do que doce...Impulsivo, ardente, sempre querendo a liberdade, mas ao mesmo tempo doce, frágil, meigo... Talvez ser assim é o que nos dê graça, charme...rs

Unknown disse...

Uma vez eu li Clarice lispector...
Fiquei traumatizada!!! rs
CUIDADOOOO.